Por estes dias Guimarães tem sido notícia (inter)nacional, no mundo do desporto, em virtude do regresso do seu grande embaixador – o Vitória – às competições europeias. Mas será que este destaque pretende convocar reminiscências desportivas interpretadas por Marinho Peres, Jesus ou Cascavel? Parece que não. Mas vamos por partes.
É um lugar comum dizer-se que os adeptos do Vitória “são únicos”. E são-o de facto. Tal deve-se à sua identidade e à forma como querem mostrar o que de tão bom tem essa carga histórica – de que são fieis depositários - quase messiânica, simbolizada ao peito com Afonso Henriques. Os cânticos evocam, num paroxismo “adivinhatório”, as conquistas passadas e as futuras, num jogo teatral - antes de guerra e agora de paz - em que “os novos cavaleiros” transportam, na perícia dos pés, uma arma, que não magoa, esférica como o mundo, driblada artisticamente por interpretes “policulturais” até rebentar uma rede cuja morte é celebrada com Goooolo! As “vítimas” do disparo, renascem com a energia de quem tem o seu valor a defender e um povo a representar cuja voz conduz numa religiosidade que – para lá da fé – converte todos os agnósticos. É assim a magia do futebol. Uma notável invenção humana que conseguiu num simbolismo não imaginado por Baudelaire, sublimar os confrontos bélicos a um tribalismo, embora competitivo, pacífico e saudável. Claro que o “desporto rei” dos dias de hoje, submerso no capitalismo selvático, deforma-se das características simbólicas que a catarse de outros tempos fizera dele. Hoje o futebol é, como sublimemente o desmistificara Eduardo Galeano, “sol e sombra”. E é, por via do “lado lunar”, que buscarei o caminho do sol escondido entre as nuvens dos comentaristas habitués que, desta feita, intentaram, na sua intolerância grupal – com que procuram ganhar a vida – um ataque ao Vitória, mais um diga-se, e a Guimarães cujo peso histórico, para alguns sucedâneos do testemunho que passamos, significa o mesmo sacrifício de Atlas sendo que, nos momentos mais exasperantes, procuram, como bons centralistas, a revanche que mais não se traduz – em fim de contas e porque sabemos do nosso valor – no suplício de Sísifo.
“Uma vergonha”! – dizem eles – que uma equipa portuguesa, tanto mais do berço da nação, se apresente, numa prova Europeia, sem que um único “continental” lá vigore.
Não sou de apologias do só “o que é Nacional é que é bom” ou do seu inverso. No desporto, pela competição inata ao desiderato da sua “pathos”, sou pelo mérito e pela salvaguarda de oportunidades iguais aos que, com persistência, trabalho e veemência, desejam triunfar na atividade, independentemente da geografia de onde provenham. Claro está que nas camadas jovens dos clubes, pela facilidade geográfica, os autóctones têm mais oportunidade de representar o “clube da terra”. Mas quando passamos para a dimensão profissional, vemos nesta atividade, como noutras, o exemplo que seria para os 5 milhões de portugueses espalhados pelo mundo se um “protecionismo rácico” tivesse vencido Bosman.
A sobranceria com que que alguns Europeus olham para a História, nós próprios que do Brasil dizemos “Descobrimento” ao que eles chamam de “Achamento”, deixamos, com exemplos como este da bola, que se perca a magia da primeira palavra para dar razão aos que clamam pela segunda. Pelo que é necessário fazer um ponto de ordem à mesa das discussões! Guimarães, o Berço de Portugal, é “alma mater” do entusiasmo de humanos que tinham um projeto de afirmação cultural, religiosa, territorial e simbólica que permitiu, poucos séculos volvidos e sem que essa chama morresse, trazer para a mesma roda de convívio, outros humanos de todas as cores e crenças. E do mesmo modo que não se pode passar uma esponja aos abusos de uma aculturação forçada, por esses tempos, não se pode, hoje, fraquejar ante impulsos xenófobos, que ademais atentam contra uma instituição que representa um povo detentor da patente patriótica.
E se isto, meus amigos, não é o berço de Portugal e de todas as histórias universais onde tão orgulhosamente dizemos que “demos mundos ao mundo”, então estaremos numa visão redutora da palavra Berço. Berço é Mãe, é fértil, é vida, é diversidade, é mundo! É sermos unos na diferença é sermos preto e branco, como é o Vitória e reconhecermos o outro nas esferas que Honneth universalizou.
O Vitória representou, naquele jogo, contra os “puristas” vindos da Áustria, a luta dos migrantes forçados, dos refugiados que desaguam no mediterrâneo, dos que procuram uma saída melhor para as suas vidas como são os lutadores Vimaranenses nados e criados. O Vitória representa “o sonho europeu” destronando o antigo americano que agora se perde em dialogicidades próprias de alguns “ocupantes” do espaço mediático do futebol. O Vitória representa a tolerância contra os “Andrés Venturas” que procuram, na bola, livre trânsito para tubos de ensaio ideológicos de má memória e que a Europa e bem pôs ponto final em meados do século passado, mas que alguns teimam em não querer fazer o parágrafo.
E quem, como eu, teve a oportunidade de conhecer aqueles “meninos” – que jogam no Vitória – viram nos seus olhos a esperança de uma vida melhor, o desejo de servir o próximo e de dar alegrias a quem lhes está a conceder esta oportunidade; viram Homens com as suas fragilidades e sentimentos a quem corre um sangue comum com culturas suas que deixaram longe, como à família, à espera de, por cá, encontrarem afeto, integração e realização. À espera da Humanidade e “Inteligência” dos Europeus.
Como Cristão, por conseguinte, pelos vencidos, mas que nunca perdem a esperança – nem diante da morte - estarei sempre fraternalmente pelo Humano independentemente da sua condição nacional que naturalmente tem uma carga cultural peculiar e que devia orgulhar os portugueses, sobretudo os do Berço, já que abrimos a janela para que essa expressão fosse globalmente conhecida, compreendida e estudada no contexto próprio.
Eu que sou um Europeu cada vez mais convicto, porque está aqui o Estado Social, a Tolerância, a Democracia, a Dignificação e Solidariedade Humana do melhor que se experimentou na História, penso e muito que foram os portugueses com o seu aventureirismo de ir ao acaso “contra as marés” a permitir que o “Velho Continente” se exaltasse culturalmente, bebesse e desse de beber a todas as formas antropológicas dispersas pela terra, sem que isso significasse perda de valores como se afere exatamente pelos que em 1143 começaram o desenho geográfico – espiritual do que é a Portugalidade. E os “V Imperistas”, se me permitirem a veleidade, devem experimentar-se por aí, assimilando a visão, a sequência e a cronologia da propositura Pessoana, numa contiguidade de Portugal pela Europa, porque só a força motriz aqui concentrada permitirá, aos quatro cantos do mundo, o cumprimento da vontade de Deus: um Homem digno num mundo fraterno.
Sei que alguns observadores não vão olhar para a Lua, mas para o dedo que a apontou, pelo que me restará dizer:
Viva o Vitória! Viva a tolerância! Contra os supremacistas, lutar, lutar!
Bem Vistas as Coisas, o Vitória – de Guimarães – não é só o Berço da Nação: é o Berço do Mundo!