Este artigo, de minha autoria, foi originalmente publicado no Jornal de Guimarães a 2 de Novembro de 2022.
Filiei-me no CDS, no início do século, porque era o único partido do espectro parlamentar português que – apesar de alguns ziguezagues – incorporava no seu programa político as raízes ideológicas da Democracia-Cristã que é hoje comummente aceite como a depuração da Doutrina Social da Igreja Católica (com contributos igualmente relevantes provindos do protestantismo calvinista e luterano) de modo desconfessionalizada, ou seja, como fórmula mais pragmática de intervenção no “jogo” político social.
Confesso ter duas grandes referências políticas, infelizmente já desaparecidas, enquanto marcos ideológicos: a nível internacional Aldo Moro, a nível nacional, Diogo Freitas do Amaral. Exatamente porque estes dois últimos se afirmavam como centristas e reformadores.
Mas vamos ao Homem a quem hoje quero dedicar o artigo: Adriano Moreira, que recentemente nos deixou. Também um Democrata-Cristão, mas de uma direita de cariz mais conservador que bebia muito da reforma da Igreja produzida pelo Concílio Vaticano II cujo seguimento foi dado por S. João Paulo II e por S.S. Bento XVI. Transmontano afirmativo – que considerava um privilégio de poucos – construiu um percurso ímpar na vida política nacional e na academia.
Na academia, os contributos dados na Ciência Política, nas Relações Internacionais e nas Ciências Militares ajudaram, não poucas vezes, a refletir sobre o conceito estratégico nacional (também na Defesa), nos equilíbrios definidores da ordem internacional e na “nova” soberania nacional imbuída no espaço europeu não esquecendo o atlantismo e a lusofonia. O assento na Academia de Ciências não era um acaso, outrossim uma consequência óbvia de quem pensava holisticamente sobre Portugal e o Mundo.
Na política – como acontece com todos que nela participam ativamente e ele não se negou – a sua atuação foi menos consensual. Contudo, a exemplo da intelectualidade académica que nos deixou como herança, o seu papel foi igualmente respeitado salvo uns refluxos populistas da extrema-esquerda antissistémica. Nela foi Ministro do Estado Novo de modo arejado, ousando discordar politicamente do Chefe do Governo saindo em divergência. Já em democracia, presidiu ao CDS, partido onde se manteve até ao fim, tendo passado pelo parlamento nacional com a qualidade de intervenção que sempre aportava.
No particular da vida partidária, lidei o mais das vezes com os seus “herdeiros” ideológicos. O CDS - com uma sociologia que abarcou liberais, conservadores (mais radicais), e democrata-cristãos mais conservadores já que os centristas eram uma raridade, tendo rumado na sua maioria ao PS e ao PSD - manteve sempre um enorme respeito pela sua referência ideológica, que deixou continuadores em José Ribeiro e Castro, Francisco Rodrigues dos Santos e a generalidade dos membros da Federação dos Trabalhadores Democrata-Cristãos. Freitas do Amaral, no livro editado pelo CDS por altura dos 40 anos do partido, escreveu o seguinte testemunho: «(…) pode haver, e tem havido, uma interpretação conservadora - liberal da «Doutrina Social da Igreja», a par de uma interpretação de esquerda democrática, de raiz evangélica e, portanto, não-marxista. A primeira baseia-se na liberdade, e na ideia de que a justiça social só pode vir através do crescimento e do emprego; a segunda assenta na igualdade, e na convicção de que a justiça social também pode (e deve) ser obtida por meio de políticas redistributivas»
Sendo eu um centrista – acreditando que ao crescimento e emprego é indispensável uma boa redistribuição – estive, como disse, mais vezes no partido com os “herdeiros” de Adriano Moreira, embora ache que a via interpretativa que dão à Democracia-Cristã, a aloca como veio de um conservadorismo passado com difícil penetração eleitoral face aos problemas hodiernos. Eu que defendo a Democracia-Cristã com uma taxionomia própria no quadro das ideias políticas, em contraponto ao que a Filosofia Política a consensualiza como um modo de conservadorismo, só a poderei ver como a reivindico se os novos interpretes forem mais seguidores de S.S. Francisco. Que é, aliás, aquela que vejo como a única válvula de escape para um CDS forte e que “conte para o campeonato”, ou seja, que não se encurrale nas “falhas de mercado” do CH e IL.
Por todos os contributos teóricos, práticos, na política e na academia, independentemente das diferentes visões, Adriano Moreira deve ser recordado como um grande intelectual da Democracia-Cristã.
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