Este artigo, de minha autoria, foi originalmente publicado no Jornal de Guimarães a 15 de Março de 2024.
As últimas eleições legislativas deixaram de fora muitos temas de relevo para a comunidade política portuguesa.
Mais preocupados com as consequências do que com as causas da tradução em votos nas forças extremistas, somos incapazes, institucionalmente (escolas, partidos, sindicatos, comunicação social, elites), de parar para pensar criticamente e tentar perceber como nos organizamos, como vivemos, que axiologia professamos e a que reações sociopolíticas estamos sujeitos quando insistimos na dose.
Para dispensar neste espaço a contextualização histórica da tensão em que vive o contrato social que construímos no pós II Grande Guerra, convido-vos a ver um documentário (que encontram facilmente na net) do realizador britânico Ken Loach intitulado o Espírito de 45. Resumidamente, retrata a ascensão e declínio do Estado Social e o triunfo globalista do libertarismo mais desbragado, cozinhado na Sociedade de Mont Pelerin, cuja Perestroika acabou por consolidar e posteriormente enviesar num “chop suey” sino-(pós)soviético que está à luz do dia.
Os sociais-democratas e democrata-cristãos europeus – único garrote para o ultra-capitalismo libertário prosseguido pelos “Chicago Boys” – arquivaram a justiça de Gustav Radbruch, obnubilaram a economia de Alfred Muller Armack e desdenharam o debate educativo proposto por Ivan Illich. Enquanto cede, o ordoliberalismo, deixa espaço à radicalização da eficiência económica que o “comuno-capitalismo” chinês resolveu jogar com mestria. Quão ingénuo foi, de início, Ken Galbraith na sua “teoria do poder compensador” ao achar que a “mão invisível” de Smith tinha um braço coletivo que harmonizava interesses conflituantes produzidos pela soberba financeirista. Ele - como tantos outros - viveram o suficiente para perceber que sem freios não há equilíbrio.
Empoderados de uma rede tecnológica esclavagista, potente e minuciosa, os novos exploradores (Estados Centralistas e Grandes Corporações) atuam sob a égide da psicopolítica, manobrando tendências e opiniões numa ótica exclusiva do lucro por via de competitividade conflitual geradora de três classes: os milionários, os pobres que trabalham e os muito pobres excluídos. As tensões dão-se no fim da tabela colocando o que resta do espaço público em clima de revolta o que Daniel Innerarity já havia tenuemente prospetivado e que agora sobreleva em força na representação política.
Há, pois, pouco espaço para o ideal democrático, participado, discutido, comunitário, equilibrado e agregador. Com diferenças, não excludentes, com ascensões e reposicionamentos, com expectativas e realizações, com justiça, com segurança (social sobretudo), onde o Estado como garante participativo da comunidade política arbitra e corrige as distorções do “novo mercado tecnológico” que Thorstein Veblen já havia denotado com clareza e certezas em finais do século XIX.
Estamos atomizados. Somos um número mecanográfico, uma peça na engrenagem.
É o fim do Eros, dos rituais e a expulsão do outro como já ensaiou Byung-Chul Han.
Falemos de um tema em concreto que a campanha não tratou: a natalidade.
O que nos traz a psicopolítica tecnológica corporativa e os políticos primários e oportunistas? A insegurança dos migrantes (os únicos que estão a renovar a comunidade e a almofadar com impostos a segurança social); o ciúme, a desconfiança do outro, a violência (doméstica sobretudo), a misoginia falocêntrica e a transformação dos corpos e dos géneros sem que – enquanto modo de afirmação única, individual, original, nos faça estar bem connosco ou até, preocupar e relacionar com os outros. Ou seja, consequências e mais “antagonismo belicista”. À esquerda como já havia sublinhado Chantal Mouffe aproveitada pelos pós-marxistas como trejeito conflitualidade pré-revolucionária agora que foram abandonados os proletários diante da emergência tecnológica que os preteriu. À direita, pela preservação dos “bons costumes” que resulta a sonegar à mulher a participação, afirmação e emancipação social. O problema de fundo mantém-se; a animação, essa, continua, agora, batizada como ideologia de género.
Sem ereção, sem filhos, sem tempo, sem dinheiro, sem apoios sociais e conflituosos! E é assim que vamos votar. Transformando frustrações em ideologias de “ocasião”.
Como juntar estes cacos?! É difícil o papel de Montenegro - a única esperança de razoabilidade no panorama político português em recuperar um centro político moderado - que garanta que a sociedade não se dissolve. Resistirei com ele, por certo.
Não sei se o tantra que nos trouxe até aqui valeu a pena, mas a conclusão é simples:
Façam amor! Acreditem! Já experimentei e resulta! Tenham filhos! Vão ver que se preocupam com os outros e há outros que se preocuparão convosco por um “interesse desinteressado”. Multipliquem-se, conversem, leiam (analogicamente), reflitam, critiquem, participem, formem-se, cultivem-se. Vão ter orgasmos bons e até intelectuais! As razões do amor – por si e pelo próximo, como ensaiou Harry Frankfurt – são as mais eficazes formas de manifestação. Muito mais do que um voto! Não seja do contra, como nos disse esta semana no Público Miguel Esteves Cardoso e frua intensamente. Vai ver que se liberta e que o amor é no fim de contas a melhor arma para “lixar o parceiro”.
Aos líderes mundiais de pulsões antidemocráticas vou mais longe: ide-vos amar! Ou mais cristãmente – em época quaresmal – amai-vos uns aos outros! Desta feita, sem multiplicações.
Excelente artigo, Orlando. Grande Abraço.pL PC