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Foto do escritorOrlando Coutinho

Revolução silenciosa, ou Contra revolução?



A leitura de The Silent Revolution: Changing Values and Political Styles among (1977) de Robert Inglehart – embora deva ser complementada por autores como Herbert Kitschelt e outros - pode ajudar-nos a conjeturar sobre o cenário atual no espaço público em Portugal.

De forma resumida, a obra do cientista político do Michigan escrita nos finais dos anos 70 do século passado e que poderemos considerar como que “válida”, na sua formulação teórica e analítica dos acontecimentos sociais, até ao “rebentar” da crise financeira mundial em 2008, isto porque podemos estar diante de novas realidades, transporta-nos para o mundo de expetativas que a evolução das sociedades ocidentais comportava.

A obra centrou-se na importância dos avanços tecnológicos para a transformação das sociedades industriais em pós-industriais e pós-modernas e a implicação comportamental e sócio-psicológica nos valores e nas atitudes políticas dos cidadãos. De facto, a crescente melhoria dos estilos de vida, trazida pela substituição do trabalho “em força” por contraponto da terciarização económica, libertou o Homem para a aposta na educação, para um consumo superior de cultura, de visualização de meios de comunicação social, transformando – em grande parte – o “catálogo” axiológico que a sociologia política definira, até então, para responder melhor ao seu eleitorado tradicional dependendo dos “mercados” à esquerda ou à direita.

O modelo societário fragmentou-se, individualizou-se e porque não dizê-lo, secularizou-se. Isto no essencial, resultado daquilo que Inglehart designou de “scarcity hypothesis” e a socialization hypothesis” i.e hipóteses da escassez e da socialização. A primeira assente na “famosa” pirâmide de Maslow correspondente a um pensamento mais conservador e antigo muito fruto de gerações que atravessaram as grandes guerras; outra, consignada a novas gerações já “socializadas” na harmonia e materialmente mais confortáveis, buscando valores mais ligados a uma identidade individual mais assertiva, com modelos de participação cívica diferentes e mais progressistas.

Segundo o autor, esta “revolução silenciosa” alterou modelos culturais e comportamentais por substituição geracional que ainda assim nos remetiam para dois cenários bem decifráveis a que Inglehart designou de valores materialistas muito ligados a factores securitários, a saber: a manutenção da ordem; a luta contra a delinquência; forças armadas fortes, bem assim como, a fatores de “subsistência” nomeadamente uma economia estável ligada ao crescimento económico e combatendo a carestia. E o outro, valores pós – materialistas, associados à satisfação estética e intelectual de questões mais “palpáveis” como a qualidade urbana e ambiental a outras mais “etéreas”, mas igualmente relevantes, como a liberdade de expressão e participação, a identidade, a auto – estima, etc.

Estas transformações obrigaram os partidos tradicionais a um reposicionamento, para responder às novas exigências dos seus eleitorados. A “terceira via” idealizada por Guydens e interpretada por Blair e porque não dizê-lo por Guterres, terá sido uma resposta à esquerda (a caminho do centro) da emergência destes novos valores pós – materialistas. Isto porque, o aparecimento de novas formações partidárias, de que o Bloco de Esquerda em Portugal é o exemplo mais relevante e com características próprias (dado que possuía uma base institucional à partida) surge também num contexto em que a “nova esquerda” procura um espaço próprio de identidade sem prejuízo dos seus valores matriciais.

Há depois quem defenda que a direita, igualmente, se terá transformado no seu processo de evolução respondendo às exigências de uma “nova política” procurando delimitar os seus valores num “continuum ideológico” marcado pela autoridade do Estado, pelo conservadorismo, pela oposição a correntes migratórias numa espécie de “contra revolução silenciosa”, para simplificar. A obra The Radical Right in Western Europe: A Comparative Analysis (University of Michigan Press, 1995) de Herbert Kitschelt em colaboração com Anthony J. McGann (que se lê bem e acessível na compra via net pela dita Universidade) matiza uma “agenda da nova direita” que de forma mais complexa encadeia estas ideias que acabo de referir.

Voltando a Inglehart, o autor - apesar dos seus estudos o levarem a pensar que os valores pós – materialistas estarem mais ligados à “nova esquerda” – é conduzido ao discurso de que há um terreno fértil compatível com a esquerda de tipo mais tradicional.

Há, por isso, bases teóricas para esta discussão acentuada de saber se a “velha esquerda” têm um fio condutor com uma “nova esquerda” e até com o PS. E há quem diga que sim. Desde os finais do século passado, altura em que – justamente, “nasce” o Bloco de Esquerda, talvez o maior fã (agora!) de uma possível união das esquerdas portuguesas.

Já à direita não vejo que uma governação tutelada por um programa assistencial assinado a três - do qual o PS seria (ou é pela negociação e assinatura concordante) refém se os portugueses o tivessem escolhido para governar em contexto Troika - possa “empurrar” os partidos da PAF para o “outro lado” ao jeito do que Pacheco Pereira fez passar no seu mais recente artigo no público <<Quem semeia ventos recolhe tempestades>>. Irei a ponto de dizer que há muitos “filhos de Nozick” em ambos os partidos da PAF e que se sentiram como “peixe na água” com a “matéria dada”. Mas vi também muitos bons revivalistas doutrinários cheios de esperança num novo ciclo pós-troika.

A verdade é que os partidos devem densificar-se ideologicamente e sustentar as suas políticas não só em conjuntos de propostas avulsas e imediatistas para governações a 4 anos, antes, em projetos intergeracionais capazes de motivar globalmente a sociedade local e o “confederalismo europeu” naquilo que foi a marca de uma construção pacífica que fez o “velho continente” medrar.

Bem Vistas as Coisas, a melhor forma de desatar o nó górdio do atual momento da política portuguesa e chegar a equilíbrios que afastem derivas radicais é pedir aos partidos fundadores da democracia o revisitar dos seus programas ideológicos matriciais. Foi com eles que a Europa se fez grande e que Portugal prosperou.


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