Hoje vou falar-vos do Rendimento Básico Incondicional (RBI).
Na verdade, um conceito que vim a recordar e aprofundar mais recentemente pela mão do investigador da Universidade do Minho, o Professor Roberto Merrill, secundado por uma “conversa alargada,” também ela interessantíssima, do filósofo Jurgen De Wispelaere, um dos principais impulsionadores internacionais desta ideia, cujo trabalho é feito, mesmo, junto de alguns governos europeus visando o seu teste e implementação.
E digo bem, recordar. Na verdade este tema fez parte de uma das acesas discussões da Tertúlia Mestre d´Avis que reunia diariamente, em Guimarães, pelo menos duas horas, nos inícios deste século e até 2005, juntando à mesma mesa alguns bons amigos como Joaquim Magalhães, Barata Feyo, Miguel Alves da Costa, Luís Ribas, o saudoso José de Oliveira Lima, entre outros que me perdoarão a omissão tantos e bons eles eram e são. As tertúlias versavam sobre temas diversos: colecionismo, religião, desporto, política, ou simplesmente atualidade.
A polémica instalou-se quando resolvi trazer um tema para a discussão que cataloguei de “evidente”. Dizia eu que <<se entrava tanto dinheiro em Portugal por via de fundos comunitários e também de privatizações daquela que era a nossa riqueza nacional, de todos, portanto, resolveríamos boa parte dos problemas sociais atribuindo 1 Milhão de € a cada português>>. E acrescentava <<a condição era receberem os juros desse dinheiro em depósito, alocado contra a continuação ou ingresso no mercado de trabalho, sendo que o intelectual/cultural, estudos, etc. contava para o efeito, e a movimentação do “bolo grande” somente teria viabilidade por via de um projeto multiplicador de criação de riqueza ou próprio emprego, sustentado tecnicamente>>. Poupar-vos-ei aos argumentos rawlsianos pré - distributivos e contra-argumentos, aduzidos à época, numa discussão que durou semanas até que a numismática voltaria a tomar conta das nossas atenções, com a célebre alocução << oh doutor, desculpe, desculpe: traga! >> que só os frequentadores, ainda que convidados e pontuais, conseguem decifrar…
Voltemos ao RBI. Mas afinal de que trata este conceito que nos soa familiar se recuarmos aos tempos de António Guterres que implementou o rendimento mínimo garantido?
Na verdade, o RBI é (ou será) uma prestação mensal atribuída a cada cidadão de um determinado país que - independentemente da sua situação financeira, familiar ou profissional - o recebe, tendo como padrão ser suficiente para permitir uma vida com dignidade, isto é, o “velhinho” conceito português de <<cama, comida e roupa lavada>>.
Os seus defensores advogam-no ontologicamente como um rendimento, portador de quatro características definidoras, a saber: “universal”, ou seja, que não discrimine nenhum cidadão, independentemente da sua origem social, raça, género ou idade. “Incondicional”, isto é, um direito para todos, sem burocracias e pelo simples facto de existir e desde a nascença. “Individual”, independentemente do estado civil, de modo a garantir autonomia às pessoas em situação de especial vulnerabilidade, como viúvos, solteiros, órfãos, etc. “Suficiente”, para que o cidadão possa viver com dignidade.
Algo tão utópico quanto inovador, dirão alguns. Talvez seja mais “utópico”, se nos cingirmos à ilha de Thomas More, do que propriamente inovador. Na verdade, pela “voz” de um português, quem diria, (com) “Nonsensus” esta ideia já tinha sido – ainda que ao de leve – aflorada para aquela “paradisíaca localidade”.
Mas se à época utópica esta ideia se configuraria no imaginário, a verdade é que houve percursores e Thomas Paine não deixou que a chama apagasse.
Quando Jonh M. Keynes, num texto originalmente intitulado "Economic Possibilities for our Grandchildren", aventou a possibilidade da riqueza média das famílias, no "mundo ocidental" bem entendido, aumentar quatro vezes, ao passo que o horário de trabalho (estamos a falar dos finais dos anos 20 e inícios dos anos 30 do século XX) à época nas 60h, reduziria para ¼, estaria a vislumbrar a velocidade que evolução tecnológica contemplaria. Curiosamente se o presságio da riqueza não foi tão despropositado, já a redução do horário não seguiu o mesmo ritmo, muito apesar das “metamorfoses do trabalho” de André Gorz. Na verdade, dá ideia que um certo “comodismo do conforto” se apoderou da classe média e mantém um status quo pouco saudável se atendermos que deixa de fora do circuito e na “armadilha da pobreza” todos os que lá não conseguem entrar. Marcuse no seu “Homem Unidimensional” aponta exatamente para isso antevendo a tecnologia não como um mecanismo de libertação do Homem, antes, como um meio para o seu controlo e dominação. Preocupações que levaram Lewis Mumford na sua “Megamáquina” a lucubrar, também, sobre a necessidade da era tecnológica deixar espaço para a realização e desenvolvimento pessoal do humano.
O que é verdade é que temos ao dispor nas sociedades ocidentais – agora mais que nunca – um conjunto de condições únicas, do ponto de vista tecnológico, para libertar o Homem para funções mais recreativas, culturais, espirituais e solidárias, conquanto achássemos mecanismos que garantissem uma estabilidade social ao nível da dignidade financeira dos seus indivíduos. Na verdade uma das partes tem funcionado (a do avanço tecnológico que dispensa o humano) sem que a outra (mecanismos de equilíbrio e compensação) esteja a acompanhar. O que assistimos é a votação ao ostracismo social a quem por mais qualidades e qualificações que tenha, tarda em garantir um rendimento porque a famigerada tecnologia “tapa” a entrada ao Homem no mercado de trabalho e sem este, resta a conformar-se com o ingresso na membrana social. Os sistemas de segurança social têm menos quotizantes e os múltiplos (e são muitos e de vária natureza) apoios sociais – que, com uma medida deste tipo, poderiam ser discutidos e reconfigurados - afiguram-se como assistencialistas, colocando o cidadão numa situação desigual e de desconforto ante o “seu” tutelar Estado.
Na verdade os defensores desta medida apontam para um conjunto de argumentos que validam a sua preposição de um modo “utilitarista” interessante, assim como, apontando não só a questão subconsciente de ser um direito humano fundamental, mas sobretudo, porque garantiria ao Homem uma maior liberdade evitando as tradicionais divisões sociais que em
síntese perigariam a dialética “tese e a antítese” ou, quiçá, a levariam ao patentear da sua máxima realização in terminus de evolução social. O que é facto é que a pobreza e a mendicidade – que, imagine-se, está a ser criminalizada em alguns países nórdicos – passariam a termos fósseis e em desuso e fortaleceriam a participação democrática – por via também do reconhecimento – que o individuo passaria a ter.
Mas os contra – argumentos, para além dos que derivam de um excesso de conservadorismo latente, são igualmente válidos e precisam de verificabilidade para uma eventual implementação. Será que o RBI não potenciaria a preguiça? Não é uma medida cara? Como se financiaria? São todas questões válidas para as quais os defensores vão tendo respostas; ao nível do financiamento com “taxas Tobin”, IVA, por ser o mais justo dos impostos uma vez que só incide sobre quem consome e – em muitos casos – a decisão de consumir é opcional; com o reestudo de todo o complexo de apoios sociais etc. Sendo certo que há já estudos e consultas de opinião que apontam que este rendimento não colocaria as pessoas no “sofá”, já que além de haver cuidados superiores com a própria saúde, haveria a ambição de querer mais e não restar outra solução senão trabalhar, talvez em algo mais condizente com as suas aspirações.
Na Suíça o tema ganhou honras de referendo, onde se propunha 2.250€ mensais a cada cidadão, somente por sê-lo; foi rejeitado, mas o debate está lançado. Utrech na Holanda já está a experimentar e os outros casos em que se pôs no “tubo de ensaio”, como localidades na Índia, trouxeram efeitos promissores.Na América de Nixon, esteve em vias de facto, situação que poderá de novo emergir.
Por agora deixo-vos um vídeo introdutório, mas certamente voltaremos ao tema.
Bem Vistas as Coisas, o avanço tecnológico, que está a substituir o homem pela máquina, trará – mais cedo do que tarde - o RBI para o centro da discussão política. E aí caberá aos diferentes quadrantes sustentar a ideia ou munirem-se de bons argumentos para modelos económicos alternativos que garantam a dignidade do Homem.