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Foto do escritorOrlando Coutinho

Entre o passado e o futuro



O título da magnífica obra de Hannah Arendt cuja leitura, há uns anos, me fascinou - veio-me à memória dado o momento político que hoje atravessamos em Portugal.

O resultado da governação Passos/Portas colocou-nos nesta ambivalência temporal em que agora, na hora de fazer as contas, temos de problematizar sobre se regredimos a tempos que julgávamos idos; se o passado recente é que nos impôs uma regressão no presente, ou ainda, que futuro queremos: na medida em que as opções parecem colocar-se ao nível de avanços mais lentos, ou mais rápidos, sendo que os defensores dos mais lentos dizem que, os mais rápidos, conduzirão todos os esforços à casa de partida. A grande crítica que o PS e sucedâneos fazem ao atual governo, é o uso da mentira como instrumento operativo das suas políticas. E que esse uso, nas suas palavras, "despudorado" ao jeito de " não cortaremos salários" - cortando-os; e as irrevogabilidades revogáveis, limitam - insanavelmente - a credibilidade futura dos governantes que protagonizaram estes episódios. Numa semana em que uma equipa de investigadores da Universidade Estadual da Califórnia liderada por Iris Blandón-Gitlin publicou um estudo na Science Direct onde afirma que um mentiroso é mais convincente quando está de bexiga cheia, estudo esse, com honras na BBC, que noticia ainda que o Primeiro-ministro britânico evita ir à casa de banho quando tem comunicações importantes a fazer… Seja lá o que isso significar, deixemos os "apertadinhos"! É, portanto, a verdade um tema importante em política sobre o qual devemos refletir e nada melhor que pegar em parte do conteúdo do livro que dá título a este artigo para nos cingirmos ao essencial. A verdade e a política foi superiormente analisada pela filósofa Arendt num texto exatamente com esta epígrafe e publicado primeiramente em Fevereiro de 1967 no The New Yorker, vindo a integrar posteriormente a já mencionada obra que titula este post. Hannah Arendt é incisiva e acutilante na hora de nos pôr a pensar sobre a ligação da verdade à mui nobre arte da política. A ponto de afirmar que <<a verdade e a política estão em bastante más relações>> acrescentando <<As mentiras foram sempre consideradas como instrumentos necessários e legítimos, não apenas na profissão de político ou demagogo, mas também na de homem de estado>> indagando se <<Será da própria essência da verdade ser impotente e da própria essência do poder enganar?>> Seja como for, esta deliciosa obra que nos conduz a outras, também elas, de leitura obrigatória como o Leviatã de Hobbes que vai ao ponto de nos confrontar com a perigosidade da verdade se nos ativermos a exemplos dos filósofos clássicos, Sócrates (o verdadeiro) que levou ao limite a expressão latina "Fiat veritas et pereat mundus " [que a verdade floresça, mesmo que o mundo pereça] neste caso o seu próprio, pagando com a vida. Ou Aristóteles que eventualmente "não dizia a verdade toda" temendo a sua segurança... De facto o preço da verdade e da mentira - que atravessa há vários séculos a vida da polis, dá para transvergir indefinidamente: lendo, refletindo e debatendo, sem preconceitos e à exaustão. Podemos, sem dúvida, deter-nos na importância da forma e até que ponto o resultado final - aparentemente positivo se nos centrarmos no essencial da governação - deve ser preterido em função do "modus operandi " com o prejuízo essencial da verdade. Mas à questão, "podia ser diferente?" e os socialistas dizem que sim, a realidade demonstra que a fragilidade em que assenta o seu sustentáculo argumentativo (económico, político e até ideológico se agregarmos a isto a crise da social democracia europeia) é o motivo maior de não descolarem nas sondagens.

As elites portuguesas no geral pensam que, mais talho e menos retalho, não havia outro caminho – senão o que o governo seguiu - para recuperar a soberania política e salvar da bancarrota o Estado e as suas funções mínimas. E por isso, a verdade - que não deve ser dispensada - é, neste particular, secundarizada. Bem Vistas as Coisas, até Espinosa - que no seu Tratado Político defende a " libertas philosophandi" como o fim último de uma boa governação - não deixou de considerar que << não existe lei mais alta que a sua própria segurança >>.

E é isto que estará em causa a 4 de Outubro.


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