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Foto do escritorOrlando Coutinho

Catarina tem dois olhos



A recente polémica que o Bloco de Esquerda resolveu introduzir na sociedade portuguesa através da elaboração de um cartaz cuja mensagem plasmava “Jesus também tinha dois pais”, trouxe alguns ângulos de análise que merecem ser “olhados”.

O primeiro ponto serve para declarar que, pelo espírito livre que me prezo de ter, não tenho óbice a toda e qualquer mensagem. Contudo e neste particular entendo que, a melhor forma de exercer a dita, liberdade de opinião, não tenha necessáriamente que incomodar os demais, sobretudo e quando o efeito da mensagem – como lembrou o líder espiritual daquela agremiação política (Francisco Louçã) - estava ultrapassado dado que a Assembleia da República “re”aprovou, após veto presidencial, legislação que permite a casais do mesmo sexo adoptar crianças.

Se quanto à oportunidade do cartaz são os próprios promotores, direta ou indiretamente, a manifestar o seu desacordo, quanto ao significado político do mesmo, algo tem de ser dito.

Na verdade, a intenção política imanente da leitura daquela mensagem – para além do revanchismo que poderá ser interpretado uma vez que o objetivo essencial do BE tinha sido conseguido - será o de declarar o BE como um partido anti – cristão. E quanto a isto nada a opor. Segue aliás em linha de coerência com a sua matriz de pensamento Trotskista. Ao contrário dos Comunistas portugueses, que sabendo da famigerada frase de Marx na Crítica da Filosofia do Direito de Hegel onde afirmava: “a religião é o ópio do povo”, tentam passar ao lado dos seus fundamentos doutrinais envolvendo-se até na ação católica, o BE diz ao que vem e de forma bem sonora. O BE tem porém aqui um problema de confronto consigo próprio. É que boa parte dos seus eleitores, como aliás de uma maneira geral os portugueses, fundam o seu quadro axiológico numa cultura marcadamente judaico-cristã. E aqui convém aclarar.

O Cristianismo, seja ele na sua fórmula católica, copta, anglicana, ortodoxa etc. é sobretudo uma união de fé baseada no amor, no perdão e na superação da morte terrena. Até na sua componente mais racional, ou gnóstica, assume esta transcendência fundada nas variáveis que atrás enunciei. E é exatamente por isso que a cultura europeia – que tanto incomoda os bloquistas – é tolerante com a diferença, é solidária e porque não dizer caridosa no sentido de que o cuidado significa atenção e amor ao próximo, e é também personalista e humanista com tudo o que a incompletude humana possui, nomeadamente na tentativa da compreensão do desconhecido através da ligação confiável ao divino. Mas independentemente de uma visão mais confessional, ou mais secularizada, o essencial do “erro” (sem direito a pedido de desculpas) perpetrado pelo BE está exatamente nas entrelinhas da mensagem. É que ela afronta os valores essenciais com os quais estamos perfeitamente involucrados. Os Troskistas são filhos da “revolução permanente”, da disrupção como ação, da instabilidade como instrumento. Ora os valores que emergem do sentimento cristão, seja ele doutrinal ou “pagão”, apontam para a paz, a concórdia, o entendimento das partes desavindas e até, se formos mais fundo na Doutrina Social da Igreja Católica, mais protetora dos que menos têm voz na sociedade.

Ao não perceber o quadro de valores onde se movimenta, o BE não poderá – de futuro – apresentar, a não ser com recurso a “soundbites”, propostas que sejam entendidas como credíveis pelos portugueses. E o credível, subentende-se – coerente com os valores que perfilhamos.

Bem Vistas as Coisas, o Bloco de Esquerda tinha mais sensatez na sua mensagem quando estava entregue a um casal de tipo tradicional.


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