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  • Foto do escritorOrlando Coutinho

Clepsidra



Comemora-se amanhã 150 anos do nascimento de Camilo Pessanha.

O Grupo de Arqueologia e Arte do Centro está a promover, em Coimbra, terra natal do autor, uma série de iniciativas para assinalar a efeméride.

Este poeta - que o meu querido amigo, Alfredo Magalhães, distinto professor de português, me ensinou a analisar, interpretar e por conseguinte a gostar – foi deleite de muitos finais de tarde em que o mundo turbulento me convidava a consulta-lo.

Pessanha é contemporâneo de um fervilhar cultural intenso na sociedade portuguesa que transita do século XIX para o XX. Não será, por isso, “forçado” dizer-se que viveu num enclave que provinha da “Questão Coimbrã” e – ele próprio, com a sua literatura, promove em antecipação, com tantos outros – o modernismo português.

Dono de uma sensibilidade apurada procura romper, através do simbolismo, a realidade positivista, buscando, numa linguagem metafórica, um pensamento de interpretação dúplice, próprio da transitoriedade da época em que viveu.

A reunião dos seus esparsos ficou consolidada em Clepsidra, que titula este escrito; e quem gosta de poesia, não pode ser indiferente ao que seguidamente transcrevo do autor:

Porque o Melhor, Enfim

Porque o melhor, enfim, É não ouvir nem ver... Passarem sobre mim E nada me doer!

Sorrindo interiormente, Co'as pálpebras cerradas, Às águas da torrente Já tão longe passadas. Rixas, tumultos, lutas, Não me fazerem dano... Alheio às vãs labutas, Às estações do ano. Passar o estio, o outono, A poda, a cava, e a redra, E eu dormindo um sono Debaixo duma pedra. Melhor até se o acaso O leito me reserva No prado extenso e raso Apenas sob a erva Que Abril copioso ensope... E, esvelto, a intervalos Fustigue-me o galope De bandos de cavalos. Ou no serrano mato, A brigas tão propício, Onde o viver ingrato Dispõe ao sacrifício Das vidas, mortes duras Ruam pelas quebradas, Com choques de armaduras E tinidos de espadas... Ou sob o piso, até, Infame e vil da rua, Onde a torva ralé Irrompe, tumultua, Se estorce, vocifera, Selvagem nos conflitos, Com ímpetos de fera Nos olhos, saltos, gritos... Roubos, assassinatos! Horas jamais tranqüilas, Em brutos pugilatos Fraturam-se as maxilas... E eu sob a terra firme, Compacta, recalcada, Muito quietinho. A rir-me De não me doer nada. Camilo Pessanha, in 'Clepsidra'

Bem Vistas as Coisas, como lembra Pessanha, "… o melhor, enfim,/É não ouvir nem ver…"


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