Ninguém especularia que Catarina, ao trautear na primavera, a música pré-marcelista “a minha alegre casinha” - tão bem apadrinhada, diga-se - na Bela Vista, teria que carregar um fardo imobiliário às costas por via do seu bem-apessoado vereador na Câmara de uma Capital cada vez mais Queirosiana.
De facto, a mentira e a hipocrisia, andam de mãos dadas com a política e quando o Grupo de Teoria Política do Centro de Estudos Humanísticos da Universidade do Minho há um ano e meio elegia o tema no seu Colóquio em História da Filosofia Moral e Política, bem sabia que a recorrência da matéria e o seu impacto nas decisões hodiernas têm causa-efeito.
Na época, recordo que me detive sobre a verdade, ou a falta dela, mas hoje o que nos prende a atenção é mesmo a hipocrisia.
A “estória” conta-se numa penada.
O Vereador do BE em Lisboa comprou um prédio à Segurança Social, no valor de cerca de 400.000 €, remodelou-o e colocou-o no mercado por mais de 5 milhões de euros.
O caso não teria merecido o interesse e as duras “sanções” morais dos libertários capitalistas se Robles e o seu grupo político não lhes andassem a fazer “cócegas” por via de uma lei que promoveu ao que ele recorreu: a especulação imobiliária.
Se além do mais, este tema, despertou um especulativo interesse jurídico, dado o vendedor do prédio, o estatuto do comprador, as licenças municipais em tempo recorde para obras no “malfadado” edifício, os despejos e empregos perdidos que seguem os seus devidos termos em barra e, uma vez mais, com o banco público a financiar – ao que li, com uma simpática prestação – quem declara rendimentos de pouco mais de 1.800 € mês, brutos, a verdade é que a delicia está no espectro ético-político.
Vejamos então. Há um problema de especulação imobiliária em Lisboa e Porto que tem aumentado os movimentos pendulares nestas metrópoles que tiram, ou dinheiro, ou qualidade de vida e tempo, a quem lá trabalha e/ou quer viver? Há. O que potenciou isto foi uma lei de direita? Foi. Atingiu até a habitação social? Sim. A esquerda quer mudar a lei? Diz que sim! Mas passaram três anos e o essencial mantem-se.
Robles entra nesta história porque percebeu – há um ano, i.e., quando era candidato à autarquia de Lisboa – que este tema preocupava de sobremaneira os ameaçados residentes que estavam a submeter-se à ditadura capitalista do turismo – a salvação da Pátria.
Ganhou a basa, mas vê-se agora confrontado com o passado.
Na política fast-food e temática que hoje vivemos, tudo isto se esvairá na espuma dos dias. Afinal, Robles, só seguiu os exemplos do Primeiro-Ministro e do Presidente da sua Câmara, o que é verdadeiramente traumático, para a esquerda, já que se vislumbra (os 3 longos anos demonstram-no) que nada irá mudar em matéria de habitação.
Mas há fio de esperança no centro-direita para o efeito? Nenhuma! Nem do partido que fez a lei, nem do outro que agora rasga as vestes de inveja para que o vereador pós-marxista se demita de funções públicas. Dito isto e quanto a hipocrisia, estamos falados.
Politicamente, um democrata-cristão defende a propriedade privada. Defende também o mercado livre com as devidas correções da comunidade política para não criar disrupções sociais. E se, tal não se conseguir, a preferência é sempre pelos pobres. Por isso e pelo tempo passado, com a experiência da aplicação da lei, as correções necessárias para vermos as cidades com residentes, deviam ser coligidas. Tal vai verificar-se no curto prazo? Não. O deslumbramento está à vista e é bem gold! Demora a passar o seu efeito inebriante.
A atual direita, confortável com a lei em vigor, ao invés de enaltecer a conversão capitalista de Robles, vexou-o. <<Afinal fizemos a lei para a esquerda caviar?>>. A oportunidade de afirmar que a lei está tão bem-feita que a todos aproveita – citando-o como exemplo bem como aos comparsas que já referi – perdeu-se. Benevolamente – para não citar novamente Eça - por peso na consciência, já que é claro o agravo que sentem as famílias que não conseguem arrendar nas cidades a preços decentes e comprar então é uma miragem, para quem não tenha fortuna pessoal.
Se o mensageiro está ferido de morte (e nem as saias da irmã lhe limpam a sua bem-vinda conversão capitalista, pena que com extremos) a mensagem está bem presente. Todos reconhecem que há um problema de especulação imobiliária. Já todos vimos que a mão de Adam Smith está entretida com outras coisas que não autorregulação do mercado imobiliário das grandes cidades, cada vez mais distorcido, numa economia, como diria SS Francisco << que mata>>.
E quanto mais se fala no moribundo mensageiro – para o denegrir – mais a mensagem, de que era pregoeiro, aparece límpida e afinal com tão larga aclamação!
Bem Vistas as Coisas, quanto mais se fala em Robles, mais se lhe dá razão.