Miguel Esteves Cardoso era, a par de Paulo Portas – o jornalista - um dos meus heróis da adolescência.
Em 1995 juntava todos os trocos que tinha da semana para, à sexta-feira, comprar o Independente. O Sr. Cardoso, do quiosque, já sabia o meu horário: 15:45h em ponto. Às 16h estava na saudosa Miquinhas que – sendo sempre minha ama e que trago até hoje no coração – para, entre os temas mais prementes do “bairro da cola”, fazer do jornal uma contiguidade da ordem do dia, à soleira do S. José de azulejo, fronstispício de sua casa – que dava nome, verdadeiro, àquele bairro operário e não da cola como era conhecido – partilhava comigo todo aquele bulício.
Embora por essa época já fosse Portas o diretor do Jornal, o código genético devia-se a MEC que estava lá no estilo, no modo e na pompa das caixas jornalísticas que se constituíam como “bombas”; quem não se lembra de títulos como “Abel e Caim” ou “O Pai Tirano”?
Tudo para vos dizer que a admiração que tinha por aquela forma de escrita, dum e doutro, era a capacidade de descrever “ipsis verbis” o retrato do país e de uma enraizada cultura de favor que talvez - pelo reflexo daquele real espelho crítico-literário que constituía o tipo de jornalismo que alia se fazia – se transformasse. Foi, aliás, a par da minha fidelidade ao humanismo cristão e a esperança – perdida no tempo – de que Portas como político fosse igual ao jornalista que me fez aderir ao CDS. Da palavra dita à escrita vai o meu amor aos livros. Eles nunca desiludem. Ou porque são fantásticos, ou porque somos nós a conduzir a imaginação. Só quem escreve é que tem defeitos, o escrito em si – se o tiver – é contraposto com outro e até bons olhos o podem reinterpretar. A crença que a literatura é agente de mudança é a minha grande esperança no Homem, mais que a ação política. Daí que – quem gosta de uma escrita bem-humorada e descontraída para férias – não deva perder este fenomenal título de Miguel Esteves Cardoso, cá em casa tem a 16ª edição, constituindo-se num aglomerado de crónicas - completamente atuais, porque Portugal, na ação das suas gentes, em nada mudou – bem descritivas daquilo que somos.
Lembrei-me deste livro, a propósito da ordem do dia, i.e., da “gola do Cabrita”, da parentela no Estado, das negociatas entre governantes e seus primos, tios e amigalhaços; no fundo, da falta de vergonha das elites nacionais, na impunidade reinante, na mediocridade dos representantes e na corrupção mais do que latente, desavergonhada já, da sociedade portuguesa.
Duas passagens – das minhas favoritas – nas crónicas “Arranjar” e “Corrupção”: << O mercado dos arranjos, dominado por uma multidão imensa de arranjistas e arranjões, é maior e está mais bem implantado que qualquer mercado negro… Arranjar é próprio de um país miseravelmente possível…>> e << Os mauzotes safam-se, os bonzitos lixam-se, os menos bons passam à frente dos menos maus e, embora raramente se chegue à bandalheira, anda-se tão perto dela quanto consente a lei da balda. Quem se lixa com isto tudo, claro, é o Estado. Em Portugal desde que seja o Estado a lixar-se, está tudo bem.>> Em resumo é mesmo assim, porque: Bem Vistas as Coisas, é uma boa novidade quando não há novidades.
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