Morreu o Professor Doutor Diogo Freitas do Amaral, homem incontornável da vida académica e política portuguesa.
Academicamente é unânime quanto seu brilhantismo, rigor e contributo nas áreas do Direito, da Ciência e Filosofia Política. Passou, literariamente, por muitas das minhas cadeiras de licenciatura, de mestrado e sem dúvida que nos obriga a pensar e alimenta a curiosidade de ir buscar mais fontes, desejo fundamental que qualquer bom professor anseia.
Politicamente o seu percurso, cevado de ódios e paixões - é bem mais controverso.
Deixarei, pois, aquela que é a minha visão genérica, já que uma mais apurada necessitaria de outro espaço, sobre o que eu penso do personagem político.
Freitas do Amaral era de direita. Nas suas raízes, no trato com os outros, no seu código genético. De uma direita muito mal-aceite no pós- 25 de Abril e até, ainda, hoje. Mas a sua agilidade mental, a sua argucia política e um forte desejo de participação no recém implantado modelo democrático, fez com que criasse um personagem. Essa personagem edificou-se na democracia-cristã e por isso, quando funda o CDS, coloca-o em linha com o quadro sinóptico da axiologia original: “rigorosamente ao centro”. Isso, por um lado, permitia albergar todos - aqueles que lhe eram iguais em circunstância - num partido sólido. Por outro, criar um “cordão higiénico” que possibilitava ao país um virar de página sem recurso permanente às armas, embora o seu batuque se fizesse sentir por onde passava, de que são exemplos o Palácio de Cristal, o Teatro Jordão, “and so on…” Freitas manteve, por isso, sempre, o esforço de perfilhar-se como centrista, mas as suas incursões “pedagógico-morais” sobre a direita portuguesa, mais não eram do que a preocupação de um pai que não quer que um filho cometa erros do passado para não ter que viver os tempos de agrura que ele próprio viveu. Pode dizer-se, contudo, que levou longe demais a formulação do seu personagem. O posicionamento tático, ao lado de Sócrates, - mais do que outras posições, que ele afirmava de princípio, com outros quadrantes que não o de origem - para afrontar o herdeiro da sua coroa política, Paulo Portas, criou ruturas insanáveis junto daqueles que, com ele, fizeram a candidatura presidencial de 1986.
Mas, o legado político que deixa com a criação do CDS é absolutamente inestimável. Foi o posicionamento do partido na matriz democrata-cristã - doutro modo não contaria com Amaro da Costa e o apoio generalizado do povo católico – que permitiu suster o PS na social-democracia europeia e recentrar o PSD, abafando os ímpetos mais libertários da sua elite que somente teve espasmos no Cavaquismo e se mostrou sem preconceitos com Passos Coelho. E esse legado é importante, porque ele permitiu que Portugal enveredasse por um Estado que seguisse o modelo social europeu. A sua participação em governos do PS e do PPD/PSD alocou, em tempero, o chamado Estado Social e a Economia Social de Mercado. O CDS foi, desde aí, tido como credor de uma fiança avalizada, tantas vezes designada como um “partido de quadros”, isto é, poucos (no sentido em que não era de massas), bons (tecnicamente e socialmente bem preparados) e doutrinários (com os ventos da democracia -cristã europeia). A reputação social do partido que criou, levou a que Lucas Pires e seguidores, ainda amordaçados – mais tarde bem recebidos – num PSD que tentava dissolver o liberalismo para disputar com o PS a social-democracia, a passar por lá.
A chegada da “nova direita”, criada no viveiro do jornal Independente, que atirou o seu CDS para uma aleivosia populista com Manuel Monteiro e para uma via negocista com Portas/Pires de Lima, afastou-o. Ribeiro e Castro não teve tempo para sarar as feridas e Assunção Cristas não dispôs de autonomia política, já que as suas verdadeiras eleições, só ocorrem no próximo domingo.
É por isso, uma pena que – numa hora em que o CDS parece recompor-se com o seu passado, apesar das arritmias, (Manuel Monteiro vem maduro, ao que aparenta, com as ideias mais sólidas e com a dimensão ética e de seriedade que sempre o caracterizou) – não tenha chegado a vez de Freitas, num quarto livro de memórias políticas, onde pudesse anunciar que, após longa maturação, regressaria a casa. Mas, tantas foram as marcas boas e más que deixou em tanta gente, se calhar foi mesmo Deus que assim quis, para que outros, como eu, façam – a seu jeito e a contraponto – o seu discernimento.
Bem Vistas as Coisas, Freitas do Amaral foi o mais sólido contributo para que houvesse direita democrática em Portugal.
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